11/01/2024

 

O Jornalismo caiu num buraco negro. E os jornalistas estão ancorados em terras movediças a um passo de tombarem também para o abismo.

O momento atual é mais do que preocupante, é determinante para o futuro da Democracia. Assistimos, há décadas, ao assassinato de títulos históricos (que, inclusive, sobreviveram à censura do Estado Novo). Em alguns casos, contribuímos para a sua morte com a nossa indiferença. E o ataque fulminante que estamos a presenciar a mais alguns dos mais representativos órgãos da comunicação social do país, à semelhança do que tem vindo a acontecer com outras publicações nacionais, regionais e locais, protagoniza uma das mais aterradoras incursões na Liberdade de Expressão, na Liberdade de Imprensa e na Liberdade de Criação dos jornalistas da história da Democracia.

Nunca seremos verdadeiramente livres se os poderes não forem escrutinados. Se os jornalistas, em observância ao indissociável compromisso com a verdade, de forma isenta, rigorosa e independente não desempenharem o seu superior dever de garantir que todo e qualquer cidadão aceda a informação livre e credível.  

Os jornalistas não são agentes da justiça, polícias ou perseguidores. Os jornalistas representam o sentir e alguns dos sentidos do povo. Dão-lhe voz. São os ouvidos dos cidadãos que os reconhecem como seus mediadores. Intermediários que em seu nome e defesa do interesse público questionam, investigam, observam, retratam, explicam e relatam os diversos poderes e todo o âmago de uma sociedade.  

Não é aos jornalistas que compete encontrar formas e/ou fórmulas de financiamento para os órgãos de comunicação social. Esse é um dever, uma obrigação da sociedade civil, de mecenas e do Estado em última instância. De forma clara e transparente o financiamento deve ser assegurado à margem de interesses pessoais ou de grupos que procuram exorcizar as próprias frustrações, passar mensagens, sejam elas de que natureza for, ou omitir a realidade através da manipulação, desinformação e/ou silenciamento.

Se não atuarmos de imediato, 50 anos depois do 25 de Abril de 1974, o Jornalismo tornar-se-á numa memória.

Não podemos permitir que o Jornalismo se torne num vislumbre, num breve apontamento na História. Que os jornalistas se tornem profissionais de uma profissão extinta.

Silenciar pela fome, precariedade e/ou intimidação artesãos da memória coletiva é uma fórmula conhecida. Mas, tenhamos sempre presente que também foi em época de mordaças que se ergueram vozes impulsionadoras de mudanças.

Não é uma escolha fácil e o caminho pode revelar-se tortuoso, mas a opção pelo aparente facilitismo da cedência, do silenciamento, trará, num futuro breve, uma fatura bem maior a pagar.

Os jornalistas não podem ceder ao aparente deslumbramento das parcerias e patrocínios como garante da continuidade do trabalho jornalístico.

O Jornalismo não tem parceiros nem patrocinadores. O Jornalismo é um bem público. Os jornalistas estão ao serviço e na defesa do interesse público, não de públicos, de agências de comunicação, gabinetes de imprensa, de interesses económicos, políticos, dos seus próprios proveitos ou de interesses de qualquer outra natureza. Mesmo sob a capa de uma aparente garantia de independência.

Quem cede, arrasta consigo a credibilidade de uma classe. Quem resiste, fá-lo em nome de todos os profissionais. É com estes últimos que nos devemos solidarizar. E apelar. Apelar a quem pode inverter a situação. Cuidar de criar condições para que o Jornalismo se fortifique. É nosso dever coletivo cuidar de quem cuida da Democracia. Para que os jornalistas se concentrem na nobre missão, constitucionalmente protegida, de informar. Que o façam sem ter de pensar como pagar já não só as suas contas, mas também as dos órgãos para os quais ou nos quais exercem funções.

 

Licínia Girão

Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista