A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) congratula-se com a decisão da Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, de requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas constantes dos n.os 5 e 6 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprovou a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.
Este pedido surge na sequência de uma petição enviada pela CCPJ à Provedoria de Justiça, com fundamento na violação daquelas normas do princípio da determinabilidade da lei, enquanto corolário do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da reserva de lei, decorrentes do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, na violação do princípio da proporcionalidade (consagrado no artigo 18.º, n.º 2), e na violação do princípio da igualdade (consagrado no artigo 13.º), por referência às liberdades de expressão e informação (consagradas no artigo 37.º, n.º 1), e ainda por ofensa à proibição de censura (consagrada no artigo 37.º, n.º 2, todos do mesmo normativo).
Foi solicitado pela Provedora de Justiça ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas “por constituírem uma restrição injustificada e desproporcionada (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) da liberdade de expressão e informação, consagrada no artigo 37.º, n.os 1 e 2, da Constituição e, quanto ao n. 6 do artigo 6.º, da liberdade de imprensa, consagrada no artigo 38.º, nº 4, 1.ª parte, da Constituição”.
Subsidiariamente, é também requerida a fiscalização abstrata “da ilegalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 6.º, desse diploma legislativo, por violação do disposto nos artigos 5.º e 6.º, dos Estatutos da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro”.
Maria Lúcia Amaral sustenta o pedido, no essencial, com destaque para o facto de o debate ao nível da União Europeia, no que respeita a matéria de combate à desinformação, se centrar numa ideia de corregulação. É rejeitado um modelo de regulação totalmente pública, “justamente por ser contrário aos valores da União uma excessiva interferência dos Estados ou da União na regulação do espaço público”, justifica a Provedora. Destaca também que “desde o seu início, a abordagem da EU em matéria de combate à desinformação baseou-se na proteção da liberdade de expressão e de outros direitos e liberdades garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da EU”.
A Provedora de Justiça defende, à semelhança da ideia Europeia, um modelo de corregulação que envolva e corresponsabilize vários intervenientes. Na medida em que, “se é verdade que o indivíduo tem um direito à proteção contra a desinformação como forma de poder participar livremente no espaço público digital, as medidas a adotar não podem deixar de ser equilibradas e proporcionadas, sem comprometer a liberdade de expressão e de informação”.
Acentua Maria Lúcia Amaral que “é inquestionável que o combate à desinformação é uma política pública de primordial relevância”. Que, inclusive, é “legítimo sustentar-se que do próprio conteúdo da liberdade de expressão e de informação se retira um dever do Estado de proteger o indivíduo contra a desinformação”. Contudo, defende a Provedora de Justiça, que esse dever apenas deverá ser legitimado no âmbito de “uma atuação a nível sistémico”. Nomeadamente, no que respeita ao desenvolvimento de “atividades de sensibilização da população para os riscos da desinformação”. Jamais “pode permitir uma intervenção estatal casuística, consista ela em interferir ou mesmo censurar determinada intervenção ou conteúdo concreto ou apenas em sinalizá-lo, etiquetá-lo ou de algum outro modo sobre ele tomar «posição oficial»”. Inadmissibilidade essa de intervenção estatal que a Provedora de Justiça, e já anteriormente a CCPJ, reconhece que subjaz ao disposto no n.º 5 do artigo 6, da Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que aprovou a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital e que está na origem do pedido da fiscalização abstrata da constitucionalidade desta norma ao Tribunal Constitucional.
Por outro lado, entende Maria Lúcia Amaral que “o modelo de queixa à ERC ou a qualquer outra entidade pública que viesse a ser criada para o efeito é, desde logo, uma interferência inadequada na liberdade de expressão e de informação”. Propõe a Provedora de Justiça, na linha do entendimento da CCPJ, que “a verificação e avaliação da credibilidade dos conteúdos deve antes ser assegurada de forma desconcentrada, difusa e horizontal, ser baseada em critérios metodológicos objetivos e aprovados por associações de órgãos de comunicação social, em consonância com os princípios jornalísticos”. Devendo “estar a cargo de uma rede densa de verificadores de factos credíveis, fortes e independentes”.
Ainda no que respeita ao n.º 6 do artigo 6, Lei n.º 27/2021, de 17 de maio, que determina que o “Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”, vem a Provedora de Justiça alertar para o facto de a lei não estabelecer “quaisquer garantias ou salvaguardas para contrariar a tendência para que as estruturas de verificação de factos, uma vez beneficiando de apoios por parte do Estado, qualquer que seja a sua natureza, estejam em condições de garantir a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos”.
A CCPJ vai continuar a acompanhar atentamente o desenvolvimento da aplicação, pelo Estado, da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.
O Plenário da CCPJ
Lisboa, 11 de julho de 2022